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Artigo

Fenomenologia Hermenêutica

Loeci Maria Pagano Galli
Psicóloga – Gestalt-terapeuta
CRP – 07/00404

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A hermenêutica é o caminho que conduz a compreensão. O homem já sempre compreende o ser. A existência é compreensão do ser. A fenomenologia não terá, portanto a função de descrever o que se manifesta, mas de desvelar aquilo que por si vem oculto. O homem se interpreta porque desde sempre já se compreende de algum modo na vida. A fenomenologia analisa o ser-aí que compreende o ser e assim se transforma em fenomenologia hermenêutica.
A temporalidade funda a historicidade. A historicidade é a constituição do ser, do ser-aí, deste acontecer depende a possibilidade histórica universal e a própria inserção nesta história. O ser-aí enquanto inserido numa história é o que já foi. Ele é seu passado. O ser-aí “é” seu passado segundo sua maneira de ser, maneira de ser que “acontece”cada vez a partir do seu futuro. O ser-aí é sua maneira concreta de ser e a compreensão do ser que lhe é próprio, se entrelaçam e ligam com a interpretação do ser-aí em geral que foi transmitido a este ser-aí. O ser-aí em primeiro lugar e muitas vezes, se compreende a partir de sua imagem que lhe vem do passado.
Esta imagem lhe dá a compreensão de seu ser, de suas possibilidades. O passado próprio do ser-aí não o segue; ele já sempre o procedeu. Assim o ser-aí descobre a tradição, pesquisa-a, mas somente lhe é possível isto, porque é essencialmente historicidade. Como existência o homem já está sempre projetado para frente, sempre se antecipa: o ser-aí é um ser adiante-de-si-mesmo. Como facticidade em estar sempre jogado, o ser-aí é um ser “já-ser-no-mundo.
A decaída como articulação, como discurso, é um “ser-junto-dos-entes- mundanos”. Assim existência, facticidade, articulação, “são ser-adiante de si mesmo”-já ser no mundo – ser-junto-dos-entes-intra mundanos.
Enquanto sustentado por essas três estruturas básicas o ser-aí para Heidegger em sua unidade fundamental é preocupação. Preocupação é a unidade de sentido do ser-aí.
O ser-aí é o ser-no-mundo enquanto se preocupa. A preocupação é a estrutura fundamental do se-aí-existindo em seu mundo ambiente. Facticidade, existência e articulação são o ser-no-mundo preocupante. A preocupação torna o homem único e autentico. Ma a preocupação se dá na angustia como experiência radical.
A angústia como tonalidade afetiva básica, de dimensões antológicas que domina, é o sentimento que desvela a dimensão vazia dos entes. Na angustia os entes caem no nada, mas nada transluz o ser como o nada dos entes.
Mas o homem em seu acontecer banal e cotidiano não suporta o sempre se assumir como facticidade, como existência e discurso, ele decai na inautenticidade.
Perde-se junto ao ente. Rotula-se como “a gente”. A autenticidade jamais é posse, é sempre conquista. Por isso o ser-aí sempre é tentação para si mesmo. Compreendendo seu poder-ser, o ser-aí se capta como possibilidade. Mas a condição de possibilidade desta possibilidade é a corrida para adiante, para a suprema e indisponível possibilidade: a morte. Esta suprema possibilidade aprofunda, alarga, transforma todas as possibilidades.

Na corrida para frente, para a morte, o ser-aí assume sua possibilidade extrema. Sua possibilidade se torna ali incomensurável impossibilidade.
A suprema impossibilidade de qualquer nova existência como poder-ser. A morte é impossibilidade de qualquer outro poder-ser. A morte como possibilidade suprema é a impossibilidade de qualquer outra possibilidade. A morte encerra o projeto.
Por isso ela dá a tônica á vida. O ser-aí, assim é compreendido como um todo. A tonalidade do ser-aí brota da impossibilidade de nova possibilidade de outro poder-ser.
A experiência da morte atira o ser-aí sobre si mesmo e ele se volta ao começo e a faz a experiência de seu inelutável começo. Somente quando o ser-aí na experiência da morte rompe a tendência comum, cotidiana de se refugiar na articulação do discurso, fazendo decair na inautenticidade da “tagarelice” do “a gente”- somente quando rompe a tendência de cair no presente inautêntico, mas assume seu passado como inelutável estar-jogado na existência, ele, sempre de novo, reconquista a autenticidade.
É preciso que sempre novamente se reconquiste, da inverdade do “a gente”, a verdade da facticidade. A existência resoluta constantemente é chamada pela consciência a assumir a condição fática de si mesmo.
Esta é a condição de existir. Sempre novamente existimos. A autenticidade é sempre uma conquista.
Se a preocupação se compõe de três dimensões de facticidade, existência, decaída ou estar-jogando, projeto e discurso – se a preocupação é a síntese destas três dimensões, ou ainda se a preocupação se apresenta como um já-ser-no-mundo para adiante-ser-si e junto-aos-entes, então ela corre para a morte, volta ao ser estar-jogando, assumido como culpa e assim, viver o presente. A preocupação corre para o futuro, volta ao passado e assim assume o presente. O ser-aí pela preocupação corre para o futuro, para a morte, mas, diante da última possibilidade, se volta ao passado, assume a culpa de não ser suas raízes e então assume o presente. No resoluto correr para a morte o ser-aí retorna de sua condição futura para seu já ter sido e, assim o assume autenticamente como presente.
Só o futuro já ter sido o ser-aí é presente. Na resolução enérgica o que foi e continua sendo, brota do futuro de tal modo que o futuro liberta de si o presente.
O fenômeno uniforme que se apresenta como futuro que já foi e se apresenta é a temporalidade. A temporalidade portanto brota de nossa condição de ser-para-a-morte.
A última possibilidade me leva a minha primeira possibilidade e a partir desta, assume as possibilidades do presente.
Futuro-passado-presente: é a tríade da qual brota a temporalidade. Nela o futuro é decisivo. Deste modo podemos dizer que o sentido da preocupação é temporalidade.
Uma vez compreendido a temporalidade é dela que brotará o sentido dos momentos de preocupação. Existência (futuro), facticidade (passado), decaída (presente) têm seu sentido na temporalidade.
Assim voltamos ao ser-aí cotidiano onde o futuro determina a compreensão, o passado o sentimento de situação e o presente a articulação dos entes intramundanos, mas não sucessivamente. A unidade dos três êxtases temporais é elemento básico da existência, do ser-aí: a preocupação cujo sentido é a temporalidade.

Mas a essência da temporalidade é historicidade. Ela é a maturação da temporalidade. A historicidade tem suas raízes na tríade da temporalidade, porque a historicidade surge da consciência que morremos que nos faz retroceder para o fato de que nos pôs na possibilidade de morrer, dando-nos, deste modo as possibilidades do presente.
A fenomenologia não é um movimento. Ela é a possibilidade do pensamento.

O logos da fenomenologia do ser-aí tem o caráter de um Hermeneúein que anuncia a compreensão do ser, incluso no ser-aí. A fenomenologia do ser-aí é hermenêutica.

 

* Hermeneúein – é a tradução do verbo grupo hermeneúein, que significa: transmitir, trazer mensagens. O interprete dos deuses é Hermes. Tanto Hermeneúein como Hermes, provêm do radical “Wer ou Wre” que significa o falar e o dizer da língua enquanto interpretação do mistério.

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